País precisa dobrar investimento em infraestrutura, e concessões não são suficientes, aponta estudo
O Brasil precisa mais que dobrar os investimentos em infraestrutura para garantir a manutenção de tudo o que já foi feito em estradas, ferrovias, portos, aeroportos e outros projetos do setor. Apesar do número recorde de leilões de concessões nos últimos anos, o investimento total em infraestrutura tem caído em proporção o PIB.
Mesmo considerando-se os aportes realizados por operadores privados, o Brasil investiu apenas 1,57% do PIB em infraestrutura no ano passado, segundo estimativas da Confederação Nacional da Indústria (CNI). É o menor patamar em dez anos e está abaixo da taxa de reposição — ou seja, o país sequer consegue fazer a manutenção do que já existe.
Investimentos públicos em infraestrtura — Foto: Criação O Globo
O indicador atingiu o menor valor da série histórica em 2021 e vem caindo desde 2014, quando era de 2,29%. Segundo o estudo da CNI, o Brasil investe hoje cerca de R$ 135 bilhões no setor, mas especialistas estimam que seria preciso aportar mais R$ 200 bilhões por ano por um prazo superior a uma década para manter o que já existe e ampliar a infraestrutura. Ou seja, é necessário mais que dobrar os recursos.
O investimento privado, que de fato tem aumentado nos últimos anos, já representa 70% do total, mas se dá em meio a uma redução drástica dos aportes públicos em obras. Para o economista da CNI Matheus de Castro, é impossível chegar à cifra necessária sem expansão nas duas pontas: iniciativa privada e governos.
— Deveríamos investir pelo menos R$ 200 bilhões ao ano para evitar a depreciação da infraestrutura que já existe hoje. Para expandir, precisaríamos de 4% do PIB ao ano para que, em meados do século, tivéssemos um nível de estoque de infraestrutura suficiente para nossas necessidades — afirma Castro.
O modelo atual, ressalta ele, tem virtudes ao buscar recursos junto à iniciativa privada, mas é insuficiente. Isso limita a produtividade e o desenvolvimento do país.
— O orçamento do Ministério da Infraestrutura para este ano é o menor desde 2001. Por mais que tenhamos participação da iniciativa privada, existem muitos ativos que precisarão ser geridos pelo setor público — diz Castro, observando que muitas concessões não têm previsão de rentabilidade, requisito para o interesse privado.
Gargalo de financiamento
A CNI calcula que o aporte privado garantido pelos leilões de infraestrutura recentes, que segundo o governo soma R$ 1 trilhão em investimentos contratados, não será suficiente para alcançar 2% do PIB, diz o economista.
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Segundo Rafael Vanzella, sócio do escritório de advocacia Machado Meyer, internacionalmente o setor público é preponderante no setor de infraestrutura. Mas no Brasil, ressalta ele, a maior parte do Orçamento é carimbada e há pouca margem de manobra.
O advogado elogia a criação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que, com o BNDES, passou a estruturar projetos de concessões e parcerias público-privadas. Mas hoje, diz, há um gargalo de investidores.
O leilão da chamada Rodovia da Morte, lote que soma trechos da BR-381 e da BR-262 entre Minas Gerais e Espírito Santo, por exemplo, foi suspenso pelo governo por falta de interessados. Há ainda seis lotes rodoviários em processo de devolução por operadores que não conseguiram tocar contratos.
— Ainda não temos um mercado maduro de project finance (modelo em que o financiamento é pago por receitas do próprio projeto) no Brasil. A maior parte dos financiamentos em infraestrutura, mesmo quando há apoio do BNDES, tem garantia do acionista. Nenhum grupo, por maior que seja, tem fôlego financeiro ilimitado, e essas exigências de garantias corporativas limitam muito a participação de outros operadores — afirma. — Mesmo os grandes grupos que atuam no Brasil estão próximos do limite de capacidade de financiamento.
BR-493 entre Manilha e Magé — Foto: Custódio Coimbra/Agência O GLOBO
Para o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, a falta de interessados em projetos rodoviários se deve à recente alta de inflação de insumos como manta asfáltica. Mas ele critica a alta da taxa de juros do BNDES a partir de 2018, bem como as restrições de caixa do banco público:
— A troca da antiga TJLP (juros de 6,82% ao ano) pela TLP (IPCA + 5,01% ao ano), que hoje está na casa dos 16%, traz problemas para viabilizar projetos. A taxa de instituições de fomento não deve carregar o rastro da Selic.
Só o privado não resolve
A Abdib defende, ainda, que o teto de gastos (que limita as despesas do governo) não se aplique a investimentos em infraestrutura.
— Em transporte e logística, o governo investe hoje 0,27% do PIB. É inadequado, e houve queda acentuada pós-PEC do Teto — argumenta Tadini, que defende um piso para investimentos, pois estes puxam a competitividade e o crescimento.
Ele ressalta que são necessários 4,3% do PIB ao ano por uma década para que o Brasil iguale sua infraestrutura à de países emergentes como a África do Sul.
Já Marcus Quintella, diretor do centro de estudos FGV Transportes, afirma que o país precisaria elevar a 5% do PIB, por 25 anos, os investimentos, a fim de ter uma estrutura de transporte adequada:
— As tentativas de passagem de ativos para a iniciativa privada têm limitações, porque só o setor privado não vai desenvolver a estrutura do país. Em nenhum lugar do mundo isso ocorreu. Alemanha, Espanha, Inglaterra, fizeram e fazem investimentos públicos pesados.
No Brasil, 12% da malha rodoviária são administrados por concessionárias privadas, que costumam investir por quilômetro o dobro do que o governo federal faz nas rodovias sob sua responsabilidade. Segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), 44,3% das rodovias concedidas apresentam algum problema.
Entre os ativos sob administração pública, o número sobe para 73%. Ao todo, só 12% das rodovias são pavimentadas.
— Dos mais de 30 mil quilômetros de ferrovias que temos, hoje só cerca de 12 mil estão em operação — diz Quintella, acrescentando que o marco regulatório viabiliza pequenas ferrovias, ramais, ligações troncais, não grandes projetos.
Para resolver, em parte, a falta de financiamento público, entidades do setor produtivo defendem medidas como a aprovação de emenda constitucional determinando que 70% do valor arrecadado com outorgas de concessões de transporte sejam reinvestidos em obras do setor. A proposta passou no Senado, mas ainda não foi a plenário na Câmara.
Em nota, o Ministério da Infraestrutura diz que prioriza a retomada de obras estratégicas, a manutenção do patrimônio público e a conclusão de empreendimentos já iniciados. E ressalta que para este ano “estão previstas concessões de 43 ativos, totalizando ao menos R$ 160,8 bilhões em investimentos.”
Fonte: O Globo
Foto: jcomp/FreePik