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Inversão de rota
Quando a economia vai bem, o mercado logístico decola. Quando os índices econômicos despencam, o transporte de carga acompanha a queda. Sempre foi assim – pelo menos até 2020, o ano em que a pandemia de covid-19 deixou um rastro de morte no mundo inteiro e circunstâncias especiais alteraram a lógica dos números em alguns países, o Brasil entre eles.
O PIB brasileiro sofreu um esperado baque no ano passado – queda de 4,1%, o pior resultado desde 1990-, enquanto a movimentação de carga tomou, pela primeira vez na história, o rumo inverso, crescendo 1,88%. “A produção recorde do agronegócio e o aumento explosivo do e-commerce explicam esse resultado”, resume o consultor Mauricio Lima, do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos).
Por estar mais protegido dos efeitos da pandemia do que outros setores, o agronegócio avançou 24,3% em 2020, passando a representar 26,6% do PIB nacional – os dados são da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). O e-commerce, que já vinha em crescimento acelerado, ganhou um papel estratégico com o fechamento de lojas físicas. Segundo a consultoria Ebit/Nielsen, o e-commerce cresceu 41% em 2020, atingindo um faturamento de R$ 87,4 bilhões.
Esses desempenhos foram sustentados pela expansão de quase todos os modais de transporte em 2020 -a única exceção coube às ferrovias, cujo movimento caiu 0,27% em relação a 2019, segundo o Ilos. O modal aquaviário foi o que mais cresceu, com 10% mais carga, enquanto o dutoviário avançou 6,2%, o rodoviário 0,3% e o aéreo permaneceu estável. No total, foram movimentadas 1.786 bilhões de TKUs – unidade que combina toneladas com quilômetros percorridos – ante os 1.753 bilhões TKUs de 2019.
O crescimento do transporte aquaviário foi puxado por dois fatores que continuam em curso: o petróleo do pré-sal, que já representa dois terços da produção da Petrobras, e o escoamento de grãos pelo corredor de exportação conhecido como Arco Norte, que ganhou impulso com o asfaltamento, no final de 2019, de um trecho de 51 quilômetros que acabou com os últimos atoleiros da rodovia BR 163/230, que liga Sinop (MT) ao porto de Miritituba, em Itaituba (PA).
Com esse acesso facilitado, o Arco Norte passou a receber uma parte importante dos carregamentos do Centro-Oeste que antes seguiam por rodovia até Rondonópolis (MT), e daí por ferrovia até Santos. “Pela primeira vez, a soja escoada pelo Arco Norte passou a chegar mais rápido na China do que a embarcada no Meio-Oeste dos Estados Unidos”, destaca Marcelo Sampaio, secretário-executivo do Ministério da Infraestrutura (Minfra).
Além de Itaituba, o Arco Norte recebe a produção de soja e milho nos embarcadouros de Porto Velho (RO) e Santarém (PA), e inclui também o porto de Itaqui, em São Luís (MA), onde os grãos chegam por ferrovia e rodovia. No ano passado, 42,3 milhões de toneladas de grãos passaram por esses portos rumo ao exterior – quase um terço das 133 milhões de toneladas exportadas pelo país – movimento que, também pela primeira vez, superou o do porto de Santos, que despachou 42,2 milhões de toneladas.
“O Arco Norte é, sem dúvida, a nossa operação que mais cresce”, afirma Fabio Schettino, CEO da Hidrovias do Brasil, empresa que atua também no transporte de grãos, fertilizantes, minério de ferro e celulose na bacia do Paraná-Paraguai, e de bauxita entre Porto Trombetas e Vila do Conde, no Pará. “Transportamos 6,5 milhões de toneladas de grãos pelo Arco Norte em 2020 e nossa meta é superar os 10 milhões até 2025”, diz Schettino. A empresa – que começou como startup em 2010, financiada pelo Fundo de Investimentos Pátria – investiu R$ 300 milhões em expansão em 2020, vai investir algo próximo de R$ 1 bilhão este ano e prevê injetar mais R$ 2,5 bilhões até 2025.
É com investimentos assim, da iniciativa privada, que o Minfra conta para ampliar a oferta logística no país, uma vez que dispõe de mínimos recursos para obras. “Nosso orçamento este ano é de R$ 6,8 bilhões, dos quais R$ 466 milhões vieram de emendas parlamentares. É muito pouco para fazer investimentos diretos, mas o suficiente para planejar bons projetos de privatização. Nossa meta é atrair R$ 260 bilhões até 2022”, afirma Sampaio. Desde 2019, lembra, o ministério já concedeu 70 ativos, entre aeroportos, rodovias, ferrovias e arrendamentos portuários, garantindo R$ 60 bilhões de investimentos.
Depois de uma maré baixa em 2020 – quando apenas 12 dos 44 leilões previstos saíram do papel -, o Minfra já concedeu 29 ativos à iniciativa privada em 2021, com a contrapartida de R$ 17,8 bilhões em investimentos. A expectativa é conceder mais 22 ativos até o fim do ano, assegurando mais R$ 41,7 bilhões. O próximo será a rodovia BR-163/230/MT/PA – exatamente o trecho de Sinop a Itaituba que alavancou o Arco Norte -, marcado para 8 de julho, com a previsão de captar R$ 2 bilhões de investimentos.
“Muito mais atraente do que essa concessão será a da Ferrogrão, a ferrovia que vai fazer o mesmo trajeto”, nota Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral (FDC). Com um prazo de concessão excepcionalmente longo, de 69 anos, e a promessa de adiantar R$ 2,2 bilhões à futura concessionária para cobrir “riscos não gerenciáveis”, como compensações ambientais, o governo espera garantir R$ 25 bilhões de investimentos privados na obra.
A longo prazo, a meta do governo é aumentar a oferta de ferrovias, hidrovias e rotas de cabotagem, de modo a deixar a matriz logística menos dependente das rodovias, ainda responsáveis por 60% de tudo que se transporta dentro do país. “As estradas são muito mais importantes na etapa final do transporte, levando as mercadorias dos portos, terminais ferroviários e centros de distribuição ao consumidor final”, observa Mauricio Lima, do Ilos.
Esse trajeto final, conhecido como “última milha”, deu suporte ao grande aumento do e-commerce em 2020 – e continua sendo fundamental, em 2021, quando os resultados dos primeiros meses apontam para crescimento anual em torno de 26%. “Além dessa demanda rodoviária, o comércio eletrônico fez crescer exponencialmente a procura por galpões e inspirou o surgimento de um sem-número de startups que estão ajudando no processo”, afirma Pedro Moreira, presidente da Associação Brasileira de Logística, a Abralog. Por Valor Econômico