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Mercado Livre dobra de valor e aposta no Brasil durante a crise de Covid-19
Logo depois de começar a operar, o Mercado Livre enfrentou a crise financeira no início dos anos 2000, que aniquilou empresas .com, aquelas nascidas na rede ou que migraram para lá na bolha que não demorou a estourar.
Após estrear na Nasdaq, a Bolsa de tecnologia de Nova York, em 2007 -a primeira empresa latino-americana de tecnologia a fazê-lo-, veio outra crise, a de 2008, que derrubou mercados e o valor das empresas listadas.
A pandemia seria o terceiro desafio do tipo para a companhia, e os números demonstram que, diante da nova crise, ela emerge outra vez: seu valor de mercado dobrou e irá contratar mais de 7.000 funcionários no Brasil, país onde a base de usuários cresceu 71% no último trimestre de 2020, na comparação com o mesmo período de 2019.
Fundada na Argentina em 1999, a empresa chegou ao mercado brasileiro um ano depois. O país representa 54% da receita líquida da operação, presente em 18 países. São 74 milhões de pessoas que usam Mercado Livre para comprar e vender produtos pela internet. A América Latina contabiliza 23 vendas por segundo.
Os números do Mercado Livre decorrem do mesmo fenômeno que beneficiou empresas como Magazine Luiza, que fez aquisições em série, e Amazon (que inaugurou quatro centros de distribuição durante a pandemia): o impulso que o ecommerce ganhou com as medidas de distanciamento social adotadas para conter o avanço da Covid-19.
Uma vantagem é que a empresa não precisou despender esforços com a migração ao digital –a não ser de parte da força de trabalho que foi para home office. Seu modelo de negócios nunca dependeu de uma loja física.
Para o Mercado Livre, o último ano foi marcado pelo fortalecimento dos serviços financeiros, prestados pela fintech Mercado Pago, e pela ampliação da rede de logística própria, utilizada em 90% dos envios.
Em 2020, a companhia adquiriu quatro aviões, que se juntam às 10 mil vans e às 600 carretas da frota amarela que possui. Os Correios são o concorrente logístico mais próximo disso, com cerca de 9.300 vans do seu total de 24 mil veículos.
“A empresa observa Brasil e México como as grandes oportunidades e isso foi muito abraçado pelo mercado financeiro, porque ela está conseguindo entregar. Virou referência em logística, que está bem alinhada com o serviço financeiro e a estrutura digital”, afirma Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos.
Cofundada pelo brasileiro Stelleo Tolda e pelos argentinos Marcos Galperin e Hernán J. Kazah, a empresa foi idealizada quando eles terminavam um curso na Universidade de Stanford, na Califórnia. O modelo foi inspirado no eBay, precursor do mercado de vendas pela internet nos Estados Unidos, que acabou virando acionista do Mercado Livre anos depois.
No posto de primeiro grande ecommerce do Brasil, avaliada em quase R$ 450 bilhões, a companhia teve dificuldades iniciais, em especial para captar dinheiro depois da bolha da internet, que afastou os investidores de empresas de tecnologia depois de uma forte especulação nas ações no início dos anos 2000.
A adequação ao Brasil também não foi fácil: replicar o modelo americano não era possível com uma penetração de internet inferior a 5% nas casas brasileiras. A solidificação do marketplace envolveu o próprio eBay, que adquiriu um dos principais concorrentes do Mercado Livre no Brasil. A americana comprou a europeia Ebazar, que crescia no mercado nacional.
No início dos anos 2000, a entrega dos produtos era presencial ou pelo correio. Desconhecidos tinham de se encontrar para finalizar o comércio das pequenas câmeras digitais, dos tocadores de MP3 ou dos aparelhos GPS, itens mais populares nessa época.
O pagamento também era físico ou via transferência bancária, confiando apenas na reputação do vendedor, que tinha uma avaliação em seu perfil no site.
O convencimento ao usuário brasileiro passou até pelo corpo a corpo com lojistas da rua Teodoro Sampaio, na zona oeste de São Paulo, relata o presidente Stelleo Tolda. A equipe do Mercado Livre ia às lojas para vender a ideia aos comerciantes.
“A gente falava: queremos anunciar seus produtos. É na internet. Você não precisa fazer nada, só dê o nome do produto e o preço. Íamos com com uma câmera digital que tinha um disquete, tirávamos a foto, carregávamos no computador e fazíamos o anúncio aos consumidores”, conta o presidente.
No primeiro ano, o serviço foi 100% gratuito. Depois, entraram as comissões e tarifas por cada transação e a facilitação dos pagamentos pelo Mercado Pago, em 2004.
Com poucas barreiras de entrada em relação a outros concorrentes –uma pessoa física pode entrar no site e se tornar um vendedor no mesmo dia–, o Mercado Livre também se tornou sujeito à pirataria, já que a emissão de nota fiscal não é uma prerrogativa. Existe um desconforto de outras empresas do setor, que se sentem lesadas na competição.
No início deste ano, a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos relatou que o site responde por 64% de toda a pirataria online de livros.
Como mostrou reportagem do jornal “Folha de S. Paulo”, foram quase 227 mil links de anúncios com conteúdo pirata identificados e removidos do site –páginas que comercializavam obras em formato digital sem ter direitos sobre elas, muitas vezes em arquivos PDF.
No ano passado, a empresa foi convidada a assinar de um código de autorregulamentação para a venda na internet. Associadas do Instituto Brasileiro do Varejo, como B2W, Via Varejo e Magazine Luiza, concordaram com os termos. O Mercado Livre ficou de fora, alegando desacordo em outras cláusulas do documento.
Para Stolla, essa é uma imagem antiga sobre a companhia, que visa “democratizar o comércio” e tem essa ideia como inegociável. A estratégia da empresa é concentrar esforços para que as entregas sejam feitas pelo seu sistema próprio de envios, que exige emissão de nota fiscal e maior rigidez. Segundo ele, 90% do que é comercializado hoje passa por esse processo, e a ideia é intensificar mais esse canal.
Para Luciano Timm, ex-secretário da Senacon e ex-presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, que elaborou o código não assinado pela empresa, o marketplace tem se mostrado sensível a essa questão.
“A OCDE recomenda começar pela regulamentação, e não foi assim que aconteceu. Mas a própria discussão fez com que diversos players, incluindo o Mercado Livre, se sentissem compelidos a melhorar suas práticas diante do mercado”, afirma.
Neste ano, a companhia pretende investir R$ 10 bilhões em sua operação no Brasil.
RAIO-X do Mercado livre
Empresa de tecnologia especializada em comércio eletrônico, foi a primeira do setor na América Latina a abrir capital na Nasdaq. Fundada em 1999 na Argentina, opera em 18 países
Receita líquida: US$ 1,3 bilhão (R$ 7,3 bilhões)
Lucro bruto: US$ 489 milhões (R$ 2,7 bilhões)
Funcionários: Mais de 17 mil na América Latina, sendo 5.461 no Brasil
Novas vagas para 2021: 16 mil na América Latina, sendo 7.200 no Brasil
Base de usuários únicos no Brasil: 74 milhões
Vendedores na América Latina: 12 milhões
Vendas no último trimestre de 2020: 229,4 milhões de itens
Fonte: Folha de S. Paulo Foto: Divulgação