Cessar-fogo e o dilema do frete internacional: alívio ou nova crise?

 Cessar-fogo e o dilema do frete internacional: alívio ou nova crise?
*Clyfor Rios Souza

O setor logístico internacional está novamente em estado de alerta com os desdobramentos do cessar-fogo entre Israel e Hamas e as consequências diretas na rota do Mar Vermelho. Desde o início da escalada do conflito, os ataques dos Houthis a embarcações comerciais geraram uma das maiores crises logísticas dos últimos anos, obrigando armadores a desviar seus navios pelo Cabo da Boa Esperança. Agora, com o acordo mediado pelos EUA entrando em vigor, as companhias marítimas encaram um dilema: retomar a rota mais curta pelo Canal de Suez ou manter a precaução diante de um cenário ainda instável?

A primeira fase do cessar-fogo, que estamos vivenciando agora, com duração prevista de seis semanas a partir de 19 de janeiro, promete uma redução dos ataques na região. No entanto, os Houthis já deixaram claro que seguirão atacando embarcações ligadas a Israel e que podem ampliar seus alvos caso haja qualquer retaliação contra o Iêmen. Isso significa que a incerteza persiste. Os armadores estão dispostos a correr o risco de um retorno precipitado e serem obrigados a desviar novamente em caso de novas hostilidades?

Outro fator preocupante é o impacto que a retomada da rota do Mar Vermelho terá sobre a logística global. Se, por um lado, os altos custos logísticos devem ceder com a volta das operações normais, por outro, há um risco real de que um caos se instaure devido à repentina oferta de capacidade. Atualmente, apenas 0,7% da frota global está ociosa, o que significa que a redução da necessidade de navios no longo percurso pelo Sul da África pode gerar um excesso de disponibilidade. A histórica entrega recorde de novos navios no último ano, atingindo mais de 400 embarcações com capacidade de 2,5 milhões de TEUs, agrava esse cenário, forçando as companhias a buscarem soluções para evitar um colapso das tarifas.

O desmantelamento de navios antigos (scrapping) é uma possibilidade para equilibrar a oferta, mas essa é uma solução a longo prazo. Desde o início da pandemia, a taxa de descarte tem sido extremamente limitada, com apenas 6% a 8% da frota global apta a ser removida. Assim, no curto prazo, as empresas devem enfrentar congestionamentos nos portos, desorganização na reposição de containers vazios e, possivelmente, sobretaxas que mitiguem a queda das tarifas de frete.

A normalização plena da logística global dependerá da confiança dos armadores na segurança da navegação no Mar Vermelho. Mesmo com navios retomando gradualmente a rota pelo Canal de Suez, é improvável que as principais linhas de contêiner alterem suas estratégias imediatamente. Elas precisarão de evidências concretas de estabilidade antes de redesenhar suas rotas, evitando assim uma situação na qual precisem, mais uma vez, recorrer ao longo e oneroso desvio pelo Cabo da Boa Esperança.

O cessar-fogo, portanto, não representa um fim imediato para os desafios enfrentados pelo setor logístico. Ele, na realidade, inaugura um novo período de incertezas, em que a tomada de decisões equilibradas e baseadas em segurança será fundamental para evitar disrupções. O setor logístico seguirá atento, esperando que o Mar Vermelho possa finalmente voltar a ser um caminho seguro para o comércio global, sem surpresas no horizonte.

*Diretor da ES Logistics

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